Copacabana vadia

Tenho tido pouco tempo para atualizar o blog com as minhas reflexões efêmeras. Na verdade, acho que elas têm sido tão mais efêmeras que não duram aquele espaço de tempo entre o instante em que ocorrem e o instante em que decido fixá-las aqui. Um dos problemas é que eu não tenho cumprido com o que desejava fazer: pequenos ensaios sobre coisas de TV do passado e do presente que vou vendo e revendo por aí. Acrescente a isso o fato de que ando com birra de alguns programas que estão no ar. Onde estão as manifestações pacíficas contra esse marasmo televisivo e cinematográfico? Quero vandalismo diante disso tudo. Uma revoluçãozinha imagética, por favor!

Você liga na Globo, por exemplo, e lá estão os mesmos atores a fingirem uma dedicação a personagens tão pouco interessantes… Dos programas de teledramaturgia no ar atualmente, não vejo nada que possa me divertir descomprometidamente. Pra ficarmos nos casos de mais audiência, Amor à Vida e Saramandaia me dão nos nervos com seus roteiros inócuos e aquelas caras de atores higienizados. É tanta higiene que me dá alergia. No telejornalismo, só aberrações cognitivas. E cadê pauta pro meu bloguinho com isso tudo?

O bom é que posso me dedicar a coisas outras (como os debates na revista Geni – vocês estão acompanhando?) e à descoberta de umas boas produções esquecidas. Por isso, vim aqui recomendar dois curtas que vi recentemente e que são ótimos: Curta sequência: Galeria Alaska e Copa Mixta.

Ambos foram dirigidos por José Joffily e mostram o bairro de Copacabana num misto de documentário e ficção, com depoimentos de transeuntes, entrechos ficcionais e imagens daquele cotidiano do fim dos 1970 e começo dos anos 1980 – época em que a fé numa “abertura política”, num desejo de andar adiante se contrastava com o discurso conservador do cidadão comum capturado nas duas produções.

copa mixtaEm Copa Mixta, Charles (nome importante do grupo que ficou conhecido como “poetas marginais”), se põe num andaime a bagunçar com palavras o cotidiano do bairro perdido entre conservadorismo e modernidade. De um lado o “pessoal da praia”, de outro o discurso a condenar os hábitos modernosos (ai, a maconha…) e a solicitar maior policiamento… Impossível não lembrar dos dramas que compuseram Dancin’ Days, que tão bem retratou essa convivência entre costumes díspares. Confusão que pode ser sintetizada na fala de um dos entrevistados: “Isso aqui é o certo. Mas tá errado. Mas eles acham que é certo”.

Curta sequência: Galeria Alaska se contrapõe ao primeiro curta ao acompanhar um pouco da noite no point que reunia a boemia, a diversidade sexual e alguns artistas da época. A Galeria Alaska devia horrorizar a família carioca com seus shows e público gay. Ao que parece, sobre ela, caiu um véu de decadência convenientemente colocado durante a década de 1980. No curta de Joffily, os grandes atores Paulão Barbosa e Anselmo Vasconcelos (duas figuras fantásticas e que infelizmente foram tão pouco aproveitadas pela nossa TV…), dão o start pra o que seria, segundo uma voz em off, “Uma reportagem sobre Copacabana”. Rapazes, travestis e pivetes que faziam a fama do local vão surgindo e falando o que lhe dão na telha (aliás, atenção à fala do garoto engraxate, reveladora das contradições de nossa desigualdade…). O que será que se revela e se oculta nessas falas tão diferentes?galeria alaska 1

Nos dois curtas, dois instantes muito bacanas de um bairro e de um momento que ficou no imaginário. É terminar de ver e cantarolar “Copacabana Sadia”, música de Júnior Mendes com aqueles arranjos pós-disco de Lincoln Olivetti, e o desejo de andar no calçadão – mas, claro, naquele início de anos 80…

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Veja também “Carta a Júlia Mattos, de Dancin’ Days”

5 respostas em “Copacabana vadia

  1. Mais um bom texto para refletimos, mas ainda acho que sua sede é maior que a água que as novelas podem oferecer e que se oferecem a água que você deseja a maioria dos telespectadores morreriam afogados.

    • Gilmar, caríssimo!

      Acho que você foi certeiro num ponto: minha sede está maior e as novelas atuais não conseguem supri-la.
      Tenho me dedicado mesmo a rever coisas ou a descobrir coisas e programas do passado. E saiba que muitos deles ofereceram água suficiente sem afogar ninguém, rs.

      A TV tem dessas coisas e desses momentos de marasmo. Como na arte, nem tudo é obra-prima ou clássico. No fluxo industrial, vamos vendo coisas legais e outras menos legais. O que me incomoda é ainda a facilidade de tudo – sempre elevada à categoria de análise da TV… E assim, ficam naturalizados demais os mecanismos e recursos usados atualmente. Não que a TV do passado fosse infinitamente melhor, mas em alguns de seus bons momentos ela soube criar experiências e sentimentos. E eu atualmente não tenho conseguido sentir nada diante de algumas produções… Birra? Mudança interior? Não sei… De fato não sei. Mas tou pensando em falar sobre duas produções deste ano que me arrebataram de tão boas. Aguarde!

      abraço, querido!

      Pedro

  2. Abraço pra você também. Vou aguardar o texto em que você falará das produções que te agradaram. Apesar de gostar de muitas produções atuais eu também sinto falta da produção quase artesanal de antigamente. Creio que a industrialização na produção das novelas fez com que se perdesse um pouco desse cuidado que se tinha, do tempo inclusive. Hoje tudo é muito veloz e muitas vezes feitas até a toque de caixa. Mas ainda dá pra aproveitar muita coisa. Até a próxima.

  3. Sempre descubro coisas novas aqui no seu blog, Pedro. Suas dicas sempre são ótimas. Sobre as novelas atais: realmente, estão péssimas. Não sei porquê, mas pelo jeito estamos passando por uma fase braba na teledramaturgia nacional. Tudo tem seus altos e baixos, talvez seja um momento de baixa nas novelas. Logo logo melhora… já te disse 300 vezes :P, um tema legal pra você abordar são as novelas do SBT.

    Abraço, Pedro! 😀

  4. Pingback: Um pé em 1977, um em 1980, os dois em 2013 | Óperas de Sabão

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